domingo, 24 de fevereiro de 2008

A Idade da Razão

A IDADE DA RAZÃO


Um dia nós descobrimos que não adianta ficar tentando dar nome ao inominável ou então ficar procurando o que não quer ser encontrado...
Um dia nós descobrimos que não somos eternos e que o tempo não volta, pelo contrário, ele se vai e continua se indo enquanto nós vamos nos tornando cada vez mais uma sombra do que fomos...
Um dia nós percebemos que rir de alguém mais velho é estar sorrindo da nossa projeção futura;
Um dia nós começamos a perceber que nossos reflexos já não estão tão apurados como antes e que a nossa agilidade está cada vez mais lenta, é como se passássemos a assistir ao filme de nossas vidas em câmera lenta...
Um dia se aprende que amor se faz com calma e tempo e não com ansiedade...
Um dia nós percebemos que nossos filhos cresceram, já temos netos, e que o papel de pai e filho se inverteu, hoje sou seu filho e você meu herói....
Um dia nós descobrimos que pra se ser feliz é preciso muito pouco, que a felicidade não se compra, ela é de graça, vai ver é por isso que não a aceitamos...
Um dia nós acordamos e nos olhamos no espelho e vemos aquele rosto estranho, cheio de rugas, os cabelos brancos, os olhos já sem aquele brilho castanho, o espelho dos olhos começa a ficar embaçado... o que fazer? De quem é esse rosto estranho no espelho? Onde está a fonte da juventude? Em que farmácia posso comprar um remédio que me faça sentir melhor, mais jovem? Onde?
Um dia nós descobrimos que a vida é uma mãe terrivelmente boa, com a mesma mão que ela dá, ela toma impiedosamente, e não adianta chorar, ela é surda;
Um dia nós descobrimos que nada existe, nem mesmo o tempo ou a eternidade, e que algumas coisas morreram, mas nós insistimos em não enterrá-las juntamente com os santuários...
Um dia nós aprendemos que é preferível caminhar a correr, uma vez que das duas formas se chega ao mesmo destino, a diferença é que daquela maneira se atinge o alvo com mais beleza e revelações...
Um dia a gente começa a entender a magia de se ouvir as pessoas ao nosso redor e de aprender aquilo que as crianças têm a ensinar...
Um dia, e não muito tarde espero, descobrimos que aquele que só existe porque nós queremos não habita em livros, que o pássaro sem-nome só pode cantar em liberdade, e que não adianta criar gaiolas de ouro ou prata, a melodia do seu cantar é como o vento, todos o ouvem só que de forma variada, embora ele cante sempre a mesma canção;
Um dia nós aprendemos a força que tem uma oração, e que não basta apenas ajoelharmo-nos diante de um modelo e postar as mãos num gesto de arrependimento, para com isso conseguirmos um bilhete no trem que parte pras estrelas;
Um dia nós descobrimos que a solidão é quem revela o grande mistério da vida, ele só tira o seu véu diante daquele que resolve aceitar o desafio de atravessar o deserto que se faz em nossas vidas, isso nos fará ver que o maior mistério da vida atende pelo nome de homem, o pão e o vinho, e para esse mistério não foi criado nenhum altar;
Um dia a vida se apresenta diante de nós com toda sua fúria, mostrando que não há crendices que nos protejam dela, e que as verdades que defendemos não nos conduzirão a outro lugar além de nós, da nossa arrogância, da nossa intolerância e ignorância, ela nos crucifica ao medo de descobrir a verdade dos livros de história... dessa forma jamais exorcizaremos os nossos fantasmas e tampouco conseguiremos ressuscitar para a aceitação do novo, da mudança, que como li escrito na camisa de um estudante do curso de história, “é a única coisa constante no mundo em que vivemos”, façamos a mudança então, ajamos como Don Quixote, “por amor as causas perdidas e contra os moinhos de vento”, mesmo que sejamos chamados de OTÁRIOS SONHADORES, jamais devemos esquecer a força da gratidão e a beleza do sorriso da rosa...
Um dia nós descobrimos que não há beleza em ser grande, em ser forte, em ser poeta...
Um dia andando pelas ruas, deparamo-nos com a “cidadania” deitada na calçada coberta com jornais, catando comida no lixo entre ratos e papel higiênico usado - “olha que coisa mais linda mais cheia de graça é uma família disputando sua comida no lixão no meio da praça”- a vemos na figura de um velho que cata papel na rua ou vende picolé pra sobreviver, em uma mãe com três filhos mendigando a vida de porta em porta, e recebendo a cidadania com a porta na cara do pobre.
A cidadania também nos vem aos olhos na figura das crianças que correm na rua sem destino, sempre repetindo a mesma bem dito: dá um trocado aí pra eu comer alguma coisa, moço... ou então praticando pequenos furtos sob o efeito da cola que deveria ser usada no tênis para vestir os pés descalços delas... a cidadania também se manifesta nas bravatas sociais, nas bandeiras da miséria empunhadas por um cavaleiro oportunista, pra quem a vida desses trapos humanos que habitam as ruas não passa de causas perdidas...
Um dia nós descobrimos que para sermos felizes é preciso apagar a imagem da cruz que nos impede o desenvolvimento espiritual, e veste tudo com um nome engraçado, pecado. Até mesmo o amor é pecado. Nós matamos a filosofia, a crucificamos e a enterramos em algum lugar desconhecido até hoje...
Um dia nós descobrimos que diante do nosso cansaço espiritual e físico não adianta nos desesperarmos, o desespero humano não cabe nesse momento da vida, devemos apenas ter calma e paciência para aprender o que as coisas da vida nos ensinam, agora elas começam a ter o sentido que nunca tiveram...
Um dia nós aprendemos que o verbo amar, transitivo direto, só se aprende se o conjugarmos com todos os nossos sentidos;
Um dia nós descobrimos que não precisamos envelhecer para aprender a valorizar a vida e enxergar as belezas que ela não se cansa de nos mostrar, seja num arrebol ou num crepúsculo, é isso que somos, somos um arrebol ao nascer e um crepúsculo ao envelhecer. É preciso reaprender a sorrir com a intensidade que a existência merece, mesmo que ela às vezes pese sobre os nossos ombros, essa é a única cruz que devemos carregar;
Um dia pode ser que não haja um outro dia pra que nós meditemos sobre a vida, o espetáculo vai acabar, as cortinas vão começar a baixar, e nem nos demos conta de que já estamos no nosso ultimo ato, o que fazer no último ato do seu grande espetáculo além de viver? O espetáculo é seu! Quanto ao meu, eu vou encerrar esse texto por aqui e vou dar uma volta por aí, sentir a vida pulsar na rua. Reconstruir-me a partir dos meus escombros, concertar uma coisa aqui, pintar outra ali, tirar uns excessos dos meus, aprender com meus erros e expectativas que me servem de alicerces, e me tornarei uma nova casa onde um novo eu vai habitar... Até que a morte venha demolir o meu castelo de areia...

Xico Fredson....

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